Na idade dos porquês
Professor diz-me porquê?
Por que voa o papagaio
que solto no ar
que vejo voar
tão alto no vento
que o meu pensamento
não pode alcançar?
Professor diz-me porquê?
Por que roda o meu pião?
Ele não tem nenhuma roda
E roda gira rodopia
e cai morto no chão…
Por que voa o papagaio
que solto no ar
que vejo voar
tão alto no vento
que o meu pensamento
não pode alcançar?
Professor diz-me porquê?
Por que roda o meu pião?
Ele não tem nenhuma roda
E roda gira rodopia
e cai morto no chão…
Tenho nove anos professor
e há tanto mistério à minha roda
que eu queria desvendar!
Por que é que o céu é azul?
Por que é que marulha o mar?
Porquê?
Tanto porquê que eu queria saber!
E tu que não me queres responder!
Tu falas falas professor
daquilo que te interessa
e que a mim não interessa.
Tu obrigas-me a ouvir
quando eu quero falar.
Obrigas-me a dizer
quando eu quero escutar.
Se eu vou a descobrir
Fazes-me decorar.
É a luta professor
a luta em vez de amor.
Eu sou uma criança.
Tu és mais alto
mais forte
mais poderoso.
E a minha lança
quebra-se de encontro à tua muralha.
Mas
enquanto a tua voz zangada ralha
tu sabes professor
eu fecho-me por dentro
faço uma cara resignada
e finjo
finjo que não penso em nada.
Mas penso.
Penso em como era engraçada
aquela rã
que esta manhã ouvi coaxar.
Que graça que tinha
aquela andorinha
que ontem à tarde vi passar!...
E quando tu depois vens definir
o que são conjunções
e preposições...
quando me fazes repetir
que os corações
têm duas aurículas e dois ventrículos
e tantas
tanta mais definições...
o meu coração
o meu coração que não sei como é feito
nem quero saber
cresce
cresce dentro do peito
a querer saltar cá para fora
professor
a ver se tu assim compreenderias
e me farias
mais belos os dias.
Alice Gomes (1946)
Alice Gomes, nascida em 1910, em Tabuaço, e
falecida em Lisboa, em 1983, era irmã de Soeiro Pereira Gomes e foi casada com Adolfo Casais Monteiro.
Escritora, pedagoga, conferencista e dramaturga, Alice Gomes foi uma mulher
de ação, que deixou publicados vários contos, poesias, traduções, ensaios e
outros tantos por publicar.
De toda a sua experiência de convívio e estudo da criança resulta uma obra
diversificada onde a formação de pedagoga se associa à imaginação e ao humor. É
com subtileza que procura incutir princípios que dignificam o futuro das
crianças e é também com alegria que os procura atrair para a leitura, de modo a
que não percam o gosto e a necessidade de ler.
Em estilo dialogante e comunicativo conta histórias do real retocado pelo
maravilhoso ou pelo sonho em o Vidrinho de Cheiro e Contos Risonhos,
para logo em os Ratos e o Trovador enveredar pelo teatralização
da lenda do flautista de Hamlim. A Lenda das Amendoeiras e Nau
Catrineta são duas outras peças teatrais de Alice Gomes. Poesia Para a
infância (1955) é uma antologia de poesia portuguesa e brasileira. Outras
das suas obras dedicadas à poesia são Poesia de infância (1966) e Bichinho
poeta (1970), livro de poemas que ocupa um lugar destacado na obra desta
escritora que foi elemento proeminente de várias actividades ligadas à criança.
Traduziu para português Le Petit Prince (O Principezinho) de Saint-Exupéry. As reflexões que deixou expressas em Aprender sorrindo e Literatura para a Infância, 1979, demonstram a sua contínua actividade de escritora e divulgadora de literatura infantil.
Traduziu para português Le Petit Prince (O Principezinho) de Saint-Exupéry. As reflexões que deixou expressas em Aprender sorrindo e Literatura para a Infância, 1979, demonstram a sua contínua actividade de escritora e divulgadora de literatura infantil.
Alice Gomes não se considerava escritora, conforme escreve na introdução de
Pensamento da Poesia e Prosa da Vida (1989) “(…) gostaria de avisar que
não sou escritora, mas apenas representa a fuga do meu espírito em dias de
solidão…”.
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